Este
ramo da psicossomática, cujo mais conhecido expoente é o Frances Pierre Marty
que fundou o IPSU, que é um instituto de estudos e atendimento ao público que
continua ativo em Paris, adota os pressupostos Freudianos para explicar a
dinâmica somática. Esta escola possui muitos psicólogos teóricos e clínicos que
contribuem para estender e firmar seus pressupostos, podemos citar Joyce
McDougall, Leon Krisler, Rossine Debray, Michel Fain, Christophe Dejours na frança e Rubens Volich, Flavio Ferraz,
Wagner Ranna, Decio Gurfinkel, Éline Batistella, Maria Luiza Guirardi, entre outros no Brasil. Veja o Link do Curso de Especialização em Psicossomática do Sedes Sapientiae. De uma forma geral,
utilizamos suas considerações neste Blog, seja fruto de trabalhos publicados ou
de contatos em encontros teórico-clínicos, seminários ou mesas redondas.
Freud desenvolveu seu trabalho
através de um pressuposto onde a subjetividade se constitui iniciando com uma
fusão à mãe, evoluindo para percepção de sí mesmo e a vivência dos conflitos
edípicos, que dão origem ao ser sociopsicosocial que é fruto da constituição do
próprio aparelho psíquico. Este aparelho pode ser descrito pela existência das
três instâncias, ego, id e superego e suas interdependências e conflitivas no
contato com a realidade externa e com as outras pessoas, em especial os
responsáveis pelos cuidados da criança nos primeiros anos de sua vida, ou seja,
os pais.
Seguindo a descrição de Rubens
Volich em Psicossomática de Hipócrates à Psicanálise, a função materna deve
cumprir o papel de viabilizar a vida da criança, que não consegue se desenvolver
sem este cuidado. Esta função materna não serve apenas para alimentar e
proteger a criança, mas também é fundamental para o desenvolvimento da
personalidade da criança e de seu desenvolvimento psicológico sadio.
A criança vive naturalmente uma fase
de fusão com a mãe, na qual suas necessidades primárias são atendidas pela
percepção e sintonia desta mãe. A falta ou o excesso da mãe nestas tarefas
podem gerar problemas no desenvolvimento com consequências psicológicas,
comportamentais ou até somáticas.
Uma falta da mãe pode levar a
criança a um sofrimento tamanho, que leva ao uso recursos defensivos primitivos,
somáticos ou comportamentais como no merecismo onde a criança desenvolve
vômitos recorrentes, ou no comportamento vazio onde a criança desenvolve uma
atonia afetiva e comportamentos automatizados, com ausência de angústia diante
de estranhos e atividades mecânicas esvaziadas de fantasia, ternura e alegria.
Todas estas manifestações infantis, facilmente reversíveis em tratamento
precoce, como mostra Leon Kriesler, podem evoluir para patologias
comportamentais ou somáticas se a carência persistir.
Por outro lado um excesso da mãe,
prejudica o desenvolvimento da capacidade simbólica e fantasística da criança,
cronificando a mãe como objeto necessário para suprir uma dependência absoluta
da criança. Esta situação pode gerar, por exemplo, insônia na criança que
necessita do contato visual com a mãe em tempo integral. Outro exemplo de
excesso materno é na chamada neonecessidade onde a mãe “fabrica” uma
necessidade para a criança, por exemplo dando o seio para suprir qualquer tipo
de sofrimento o que leva a criação de substitutos inadequados para a tensão que
podem evoluir, por exemplo para a drogadicção.
Não nos estenderemos aqui na
descrição da função paterna, nem na gênese das relações objetais que
articularão a pessoa em suas relações sociais. Também não discutiremos a
sequencia sadia que leva a criança desde a relação fusional com a mãe até as
relações de objeto. Este desenvolvimento pode ser visto em detalhes na obra de Lacan e de Renee Spitz.
De qualquer forma a capacidade de
fantasiar, gera o importante e complexo mecanismo descrito por Freud que
satisfaz as tensões internas e externas, através de inúmeras defesas
psicológicas neuróticas e originando também muitas vezes as patologias
descritas por Freud, que geralmente estão bem circunscritas ao âmbito
psicológico. Trata-se da dinâmica pulsional, descrita em a Pulsão e suas
Vississitudes e atualizada em Além do Princípio do Prazer.
Quando esta infra-estrutura psíquica
não está plenamente desenvolvida, ou quando o quotidiano leva o sujeito a
situações traumáticas recorrentes que superam suas defesas neuróticas, o
organismo acaba regressivamente ativando seus recursos comportamentais ou
somáticos.
Estes pacientes podem desenvolver o
que Marty chama de doenças de desorganização progressiva, que podem levar a
morte como no câncer ou doenças cardíacas, podem desenvolver personalidades
vulneráveis ao desenvolvimento de Neuroses de comportamento ou adicções e podem
ser mais susceptíveis a desorganizações episódicas que gerem doenças como
gripes, problemas de digestão ou outras afecções comumente atribuídas a uma queda
de imunidade.
De qualquer forma Marty descreve uma
dinâmica pobre em recursos que lidem com as tensões no nível mental, o que leva
as tensões a terem vazão comportamental ou somática.
Chamo esta abordagem de
Psicossomática do transbordamento devido ao fato de que a pessoa poderia ter
condições de lidar com a maioria de suas tensões a nível mental, mas devido a
falhas no desenvolvimento dos recursos psíquicos teriam um limiar menor a partir
do qual a tensão transbordaria para o comportamento e finalmente para a forma
mais regressiva que seria a vazão no corpo através das doenças. Marty apresenta
em detalhes a psicodinâmica do somatizador e postula minuciosamente os cuidados
no tratamento destes pacientes, que deveria ser muito mais relacionado a
compartilhar com o paciente uma relação no qual ele possa viver uma experiência
da função materna, propiciando um tipo de desenvolvimento das instâncias
psíquicas, para somente então desenvolver uma estrutura psíquica capaz de
suportar um tratamento psicanalítico clássico que trabalhe a conflitiva
edípica.
(Prado, A.F - A Alienação Perceptiva : O Assédio Moral Infantil e sua relação com os processos de somatização, Cap 6 - Monografia Especialização em Psicossomática Sedes Sapientiae)
(Prado, A.F - A Alienação Perceptiva : O Assédio Moral Infantil e sua relação com os processos de somatização, Cap 6 - Monografia Especialização em Psicossomática Sedes Sapientiae)